Sobre a rotina...
O despertador do celular toca pontualmente na hora programada, o som baixo mais alerta sobre a hora do que a desperta, despertar é para aqueles que dormem e não para os que acompanham o nascer do sol. Ainda olha para o teto vislumbrando as finas tiras de sol desenhadas sobre o gesso branco como se não fizessem sentido a sua existência, na sua opinião a noite poderia ter se estendido um pouco mais. O segundo despertador a lembra que precisa levantar, não tem muita escolha ou outra opção.
Com um longo suspiro ergue o corpo e põe-se a executar a mesma rotina: o rápido banho, as frutas previamente cortadas na noite anterior, a roupa previamente escolhida, os acessórios previamente escolhidos e tudo tratava-se de prévias e execução. Tudo tinha seu tempo pré-determinado para acontecer e as 6am estava pronta para sair, o indicador já pairava sobre o botão do controle remoto da TV quando o celular vibra, sem muito esforço o tira da bolsa já imaginando o conteúdo da sms, mais uma propaganda da operadora. As sobrancelhas erguem-se a medida que o remetente e parte do conteúdo que é exibido.
Um sorriso paira sutil nos lábios e os dedos percorrem rápido pela tela identificando o padrão da senha que hoje era apenas um atraso. Estava ansiosa, feliz e curiosa. Ele finalmente falara, finalmente uma notícia. Os milésimos de segundos para a sms abrir parecem uma eternidade, mas finalmente os olhos percorrem o texto e o sorriso se desfaz, os olhos brilhantes ganham uma umidade que controla com todas as forças para que não se tornem lágrimas, não entendia como ainda não havia superado o fim e porque ainda o esperava. Guardava o celular, desligava a TV e voltava a execução dos movimentos de sua rotina: abrir o portão, passar, fechar, guardar a chave no mesmo bolso de todos os dias, andar pelas mesmas ruas, pegar o mesmo ônibus lotado e quando se deu conta, já estava saindo do metrô.
Ainda faltava a caminhada de 1km e respirava fundo de certa forma aliviada por ter mais esse tempo para pensar. Em seu ouvido a Sonata ao Luar de Bethoven ecoava e marcava seus passos, os pensamentos vagavam de cada pedra que ultrapassava, pela ira que lhe subia a garganta, pela lembrança dos bons momentos. As brigas e desentendimentos não lhe irritavam, mas a ilusão de que fora feliz um dia fazia sua bile levar um sabor amargo a seus lábios. Restavam apenas 3 quarteirões e a margem do canal, atravessava as ruas sem se preocupar com o carro que pretendia passar pelo cruzamento, ignorava os sinais de trânsito fechados, os abertos, os carros entrando ou saindo das ruas e garagens.
O pensamento preso em lembranças e sorrisos, em cheiros e sabores, respirava fundo e erguia a cabeça tendo um vislumbre do céu através dos óculos escuros antes de ouvir a buzina distante e de sentir o corpo chocar-se contra o asfalto quente, precisava apenas abrir os olhos para ver as nuvens cruzarem lentamente o céu, agora estava tudo acabado, bastava fechar os olhos e esperar o fim chegar e aquela dor no peito cessaria e encontraria uma provável paz. Mas acabar dessa forma seria fácil demais. Respirava fundo e ouvia a insistente buzina, o carro parado a poucos centímetros das suas pernas, ela apenas dava de ombros e seguia em frente com sua dor.
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