Caindo...


“... Somos programados pra cair.”

Aqui da varanda tudo parece distante. As pessoas se transformam em formigas, seguindo suas rotas, seguindo seus caminhos, seguindo sua rotina. Aquela rotina que satura e acumula pensamentos e dores. Exatamente aquela rotina que me satura a alma. Não sei ao certo qual gota foi a última e que me fez transbordar. Daqui de cima quase não ouço as buzinas e o som incessante do tráfego lá embaixo, mas vejo e acompanho com toda calma do mundo o carro vermelho virar a esquina, parar em frente a faixa de pedestres, virar a direita e desaparecer.



Vejo a velhinha a qual dou um sanduíche todas as manhãs, na mesma esquina e lembro-me do seu sorriso. Não consigo vê-lo, mas sei que está ali quando acena para a moça de vestido vermelho. Lembro-me de cada ruga em seu rosto feliz e me pergunto como ela simplesmente não cansa de tudo aquilo, da sua vida precária e isso coloca em cheque que talvez eu seja nova demais para já estar cheia dessa vida. Dizem que para cada pessoa existe uma cruz de peso equivalente ao que ela suporta carregar e sinto que a minha já está pesada demais.

Ouço barulhos do outro lado da porta e me pego ansiosa, esperando pra te ver novamente passando por ela com aquele sorriso torto que tanto gosto. Então novamente o silêncio, recordo que tenho vizinhos e provavelmente foi apenas um deles. Lembro da última vez que você me viu sentada no parapeito, me estendeu a mão e me fez descer de vagar para seus braços. Lembro do gosto do chocolate quente com café, do chantili mentolado e do seu beijo misturado a tudo isso. Lembro das suas palavras insistindo em me mostrar que a vida me acalentava todos os dias, me agraciava com o sol ou com a chuva, com um vento frio ou o calor. Que todas as sensações e dores faziam parte da vida.

Então te pergunto o que significa a morte no meio de tudo isso e com toda calma do mundo você me mostra as folhas caindo da árvore. “Para elas não existe o amanhã”. Amanhã. Amanhã. Amanhã. Uma palavra tão vaga e com tantos significados. Para mim o amanhã era mais um dia de trabalho, ônibus lotado, uma mesa, papeis, números e mais números. Assim como o amanhã seguinte e o próximo e o depois dele. Talvez para mim não deva existir o próximo amanhã e olho pros meus pés balançando com o vento enquanto penso nisso, enquanto vejo as formigas humanas lá embaixo, enquanto sinto o sol nascer e me agraciar com seu calor. Talvez seja melhor ir tomar aquele chocolate com café.


Atenção: Essa crônica faz parte do meu projeto Aquela Música que é composto por crônicas inspiradas em músicas. -Caindo- foi escrita inspirada na música Amianto da banda Supercombo.

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