Sobre um desencontro...
Aquele som acabava tirando minha atenção do livro tão compensador que eu lia. Gritos, reclamações, tapas no vidro, mais gritos e o ônibus retomava seu caminho depois que a usuária escandalosa descia. Mesmo com os fones de ouvido eu ainda consegui ouvir toda a confusão. Depois de ser tirada de dentro da minha pequena bolha, me atrevo a olhar em volta e ver as pessoas que subiram e acomodaram-se enquanto eu estava absorta nas páginas. Sempre tive essa mania, olhar para as pessoas, suas expressões e tentar adivinhar o que acontecia com elas, seus problemas e aflições ou o motivo de seus sorrisos, para onde estavam indo ou de onde vieram.
Olhava para todos ali dentro de forma rápida, sem me prender a alguém. Mesmo de óculos escuros a posição da cabeça poderia me denunciar e encarar uma pessoa nunca foi um gesto bem visto, mas ao vê-lo, não conseguir impedir meu mundo de parar. Lá estava os olhos dele presos a um livro, os fones de ouvido, o pé balançando no ritmo da música. Talvez o tenha olhado com tanto afinco que por um instante ele ergue a cabeça e posso ver seus olhos e antes que você pense que eram belos olhos azuis ou verdes, está redondamente enganado. Eram belos e profundos olhos pretos. Nem castanhos, nem qualquer outra cor. Pretos. Como seu cabelo, como a camisa social que usava, como a calça, como os sapatos e as pequenas pulseiras de borracha em seu pulso esquerdo.
Absorvi cada detalhe até notar que ele ainda me olhava e depois para minhas mãos onde ainda segurava o livro. Por mais que tentasse segurar, acabei sorrindo. O mesmo livro. Quais as chances disso acontecer? Virava a cabeça em outra direção, mas meus olhos ainda estavam lá, fixos nele e pude notar ele me olhando por mais alguns segundos antes de voltar a leitura. Eu também voltava ao livro, sem absorver mais as palavras. Seu olhar não me saía da cabeça, o tom de seus lábios, da sua pele. Queria tocá-lo, sentir o calor que emanava e quem sabe sentar em uma praça e discutir o livro? Qual será seu personagem favorito?
O som da campainha do ônibus me tirava do devaneio, olhei para o lado e seu lugar vago apertou meu coração. Rapidamente viro-me para olhar pela janela e lá estava ele com o livro embaixo do braço, um breve aceno afirmativo com a cabeça era feito, eu apenas sorria e ajustava o óculos enquanto o ônibus seguia seu caminho. Quem sabe um dia não nos encontramos novamente.
Atenção: Encontros é uma nova modalidade de crônicas que descrevem aqueles breves encontros do nosso dia-a-dia e que podem mudar toda a sua vida ou apenas tornar-se uma boa lembrança.
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